Começa hoje um dos maiores festivais de música portuguesa, o Bons Sons, que irá decorrer até dia 11 de Agosto. O director artístico do festival, Luís Ferreira, deu-nos o prazer de conversar um pouco connosco.

 

Para quem não está familiarizado com o festival Bons Sons, como é que descrevem a vossa identidade?

Desde a raiz do projecto, em 2006, há dois dogmas que distinguem o Bons Sons dos outros festivais. Primeiro, é um festival da música e da cultura portuguesa, ou seja, projectos que são feitos cá, no nosso território, por portugueses e estrangeiros. Segundo, temos o viver Cem Soldos, que acaba por ser o nosso mote. A aldeia é o cenário de um projecto de capacitação que envolve a comunidade e que cria uma experiência imersiva, visto que são os habitantes que fazem, dentro das suas disponibilidades, o festival acontecer.

 

 

“São os habitantes que acolhem e servem os visitantes, numa partilha especial entre quem recebe e quem visita(…)” Esta citação, tirada do vosso site, fala um pouco da relação entre Cem Soldos e o Bons Sons. O quão importante é essa relação?

O Bons Sons é Cem Soldos, isto é, faz parte, é liderado e é feito pelas pessoas de lá. Isso acaba por ser muito importante porque faz com que as pessoas tenham um sentimento de pertença enorme. Esta relação com o território é fundamental, visto que se não o habitamos, ele morre – um síndrome de todo o interior do país. Acho que a muitas vilas falta essa dimensão de espírito cívico e de sociedade participativa e activa que defende o seu lugar. Óbvio que isso vai transparecer, não só na lógica do discurso (como no nosso manifesto, onde mostramos o porquê desta reforma), mas também na sensação que sentes quando entras num local que está preparado para te receber e que a tua presença ali traz também prazer aos habitantes. De repente há histórias. Não é apenas uma pessoa a fazer uma activação de marca, mas sim alguém a apresentar a sua casa. No fundo, é esta simbiose de tolerância e curiosidade sobre o outro que se cria no festival.

 

 

Falaste um pouco sobre a dimensão social do Bons Sons. Explica-nos mais sobre isso e sobre os projectos em concreto que têm desenvolvido.

A grande troca do Bons Sons para a comunidade tem sido nesta dimensão de grande pertença, de orgulho e de investimento no capital humano, sendo que esse é o grande foco. Depois, paralelamente e de uma forma muito gradual, criámos alguns activos para a associação que estão a ser gastos noutros projectos sociais. Por exemplo, o “Avós e Netos” – um projecto que nasceu com o Bons Sons e que junta as avós, todos os dias, para fazerem merchandising do festival, sendo que acabam por ter ali um móbil que as desafia a estarem juntas, diariamente. Isto depois deu origem ao pensamento do “Lar Aldeia”, um projecto que tira partido da malha urbana de Cem Soldos e tenta fazer com que as pessoas estejam, de uma forma mais permanente, nas suas casas. Criamos actividades que as dinamizam, ocupam e que lhes dão sentido, em vez de as passar logo para um lar. A “casa aqui ao lado” é outro projecto que está a ser feito, apesar de ainda não ter sido implementado, e que tem a ver com uma resposta turística a Cem Soldos. No fundo é uma oferta importante, visto que antigamente nós usávamos muitas casas que estavam livres na aldeia e que neste momento são cada vez menos, felizmente. Em suma, a própria ideia e marca Cem Soldos mudou bastante e as pessoas querem lá viver, sendo que os resultados efectivos do investimento não são óbvios, mas mais do que estarmos a pensar em grandes estruturas, edifícios e confundirmos a caixa com o conteúdo, estamos a investir nas pessoas.

 

 

Relativamente ao line-up de bandas deste ano. Têm o cartaz fechado? Estão satisfeitos? Fala-me um bocadinho das bandas que vêm ao Bons Sons.

Desde Abril que está fechado. Estamos sempre muito satisfeitos porque temos, ao longo destas 10 edições, mostrado o que melhor se faz, de uma forma muito eclética. Tentamos preencher os vários movimentos da música portuguesa, dando um retrato do que está a acontecer hoje e criando este equilíbrio entre os nomes consagrados e as revelações. Este ano decidimos desafiar 13 bandas, que já tiveram no Bons Sons durante estes 13 anos, a fazerem concertos especiais, como por exemplo, os Sensible Soccer com o Tiago Sami Pereira, ou os First Breath After Coma com o Noiserv, sendo que alguns deles estão a fazer originais de raiz para o festival. De repente, mais do que um espaço de programação, estamos também a ser um estímulo à criação neste misto de encontros. Depois temos, entre 50 concertos, um vasto grupo de projectos.

 

 

Notámos também no vosso site uma menção a um plano ecológico. Pode-nos falar um pouco mais disso e de algumas medidas que têm aplicado no festival, nestes últimos anos?

A nossa dimensão ecológica tenta retirar ou diminuir a pegada desta invasão de pessoas durante aqueles cinco dias na aldeia. Desde há muito tempo que temos a questão das canecas reutilizáveis; temos, em vários lugares, casas de banho secas onde não utilizamos químicos; tentamos também que boa parte das loiças que as pessoas utilizam para comer, nos restaurantes, sejam reutilizáveis e não feitas de plástico descartável; temos cada vez mais a energia de iluminação convertida em LEDS; temos a triagem de todos os resíduos. Além de tudo isso, promovemos ainda acções de sensibilização, de economia da água e dos recursos locais.

 

 

Um dos vossos objectivos principais, além da promoção da música portuguesa, é mostrar a aldeia de Cem Soldos. Sentem que têm destruído o preconceito relativo a vilas mais pequenas e às suas agendas culturais? Isto é, todos os anos torna-se mais fácil trazer mais público e bandas mais conhecidas?

Em termos de bandas mais conhecidas já quase todas passaram pelo Bons Sons e recebemos sempre milhares de propostas. Em termos de pessoas tivemos de limitar este ano em 35 mil pessoas. O ano passado tivemos quase 40 mil, mas sentimos que o 35 mil é o número de ouro entre o equilíbrio e a estabilidade do festival e a vivência da própria aldeia. A nível de discurso e da visão das aldeias, nós sentimos que somos inspiração para muitos projectos e que conseguimos contrariar a ideia de que a aldeia é o passado. Além disso, defendemos que há um lugar contemporâneo para a aldeia onde as pessoas podem ser elas hoje e não apenas uma memória de um passado que se calhar nunca existiu. Na nossa opinião, é mesmo muito importante habitar o território. E ao habitar as pessoas conhecem, valorizam e de repente muda-se uma perspectiva desequilibrada relativamente ao nível de planeamento, deste país, onde a cultura tem um papel fundamental.

 




Adicionado por

João Ribeiro

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