A um dia de começar o WoodRock, um festival de música recheado de rock e emoldurado pela natureza do parque de campismo da Praia de Quiaios, partilhamos a conversa que o CifrasPT teve com Paulo Cardoso, presidente da Associação Sombra Janota – uma associação cultural sem fins lucrativos e organizadora deste festival pelo sétimo ano consecutivo.

 

Para quem não está familiarizado com o WoodRock, fala-nos um pouco da vossa identidade. O que é que as pessoas podem esperar destes 3 dias?

Apesar de termos vários subgéneros, a nossa identidade é o rock. Depois temos uma especificidade que acho que nos caracteriza bastante bem, que é o não sermos só um festival de música, isto é, nós queremos que as pessoas venham e aproveitem a praia de Quiaios. Perguntam-nos muitas vezes porque é que não temos concertos de tarde. A resposta é que nós queremos que as pessoas aproveitem o dia, indo à praia, à serra da Boa Viagem ou à Figueira. Queremos que circulem, que relaxem e, à noite, que venham ver concertos de rock, de qualidade.

 

A que horas começam os concertos?

Às 22h de quinta, sexta e sábado. Podem acabar às 3h ou às 4h da manhã, dependendo do ambiente que se gera, da disponibilidade dos artistas em prolongar um pouco mais um concerto ou de um atraso que possa eventualmente surgir.

 

Essa decisão é também devido ao que mencionaste anteriormente, certo? Para deixar as pessoas aproveitar um pouco a vila.

Aproveitam a vila de Quiaios, a localidade, jantam descansadas e depois têm a noite toda para fazer o que quiserem. Sempre foi uma ideia nossa, visto que sentimos o rock tão envolvido naquela localidade e na natureza à sua volta, seja na serra, na praia ou nas dunas. Isso faz parte muito mais da nossa identidade do que um festival que tem concertos o dia todo, onde as pessoas vão para lá, ficam fechadas no recinto e saem às tantas da manhã.

 

Fala-me um pouco do início do WoodRock.

Isto começou há 7 anos, em 2013. Nós somos daqui, da Figueira, e adoramos a praia de Quiaios, sendo que vamos lá sempre que podemos. Um dia olhámos para ela e achámos que aquilo dava um festival de rock magnífico, e assim nasceu o WoodRock.

 

Qual é que foi a abertura da vila e da praia de Quiaios a este projecto?

Aceitaram bem, apesar de ao princípio ter havido, talvez, um pouco de receio da parte deles, mas nada de grave. Tanto que agora a praia de Quiaios é bastante mais conhecida  por causa do WoodRock, ou seja, os dois lados colam muito bem. Muitas das pessoas da vila aderem ao ambiente e aproveitam bem os 3 dias. O nosso staff – voluntários, visto que somos uma associação sem fins lucrativos – é entre 80 a 90% habitantes da vila e da praia de Quiaios. Temos pessoal jovem, pessoal com mais idade, alguns já com 50, 60 anos, mas todos ajudam. O festival é muito bem recebido.

 

 E acaba por ser uma relação benéfica, tanto para o festival como para a praia.

Certamente. Nós trazemos gente e divulgamos a praia de Quiaios. Apesar de ela ter essa envolvência natural única, não é muito badalada, sendo que um dos nossos objectivos sempre foi dar alguma visibilidade a esta zona. Contudo, é preciso ter algum cabimento, isto é, o público que vem ao WoodRock é um público organizado, um pouco mais velho do que se vê nos festivais de música de hoje em dia, que respeita muito a natureza, que não faz lixo e que não provoca desacatos. Tudo isso, para nós, faz muito sentido na praia de Quiaios e é essa a proposta que nós gostaríamos de fornecer às pessoas.

 

Esta é a 7ª edição do Woodrock. Sentem que têm destruído um pouco o preconceito relativamente a vilas mais pequenas e sítios mais isolados no que toca à agenda cultural?

Eu não sei se temos ajudado em relação a isso, porque o que eu vejo, principalmente no distrito de Coimbra, é o contrário, isto é, não existe muito mais. Coimbra e Figueira da Foz talvez haja alguma oferta, mas assim em vilas mais pequenas, no centro de Portugal, eu não vejo assim grande coisa. Eu costumo dizer que nós, no WoodRock, estamos no litoral português, mas a nível de festivais, estamos no interior. Os festivais ou são em Lisboa, pela massa de pessoas que tem, ou são no Porto, ou ainda mais para norte, visto que já apanham muitas pessoas da área de Galiza, ou no Algarve. Nós estamos aqui um bocadinho no interior a nível de festivais, porque a massa populacional da região centro não me parece que seja suficiente para ter um festival daqui, com estas características. É algo que estamos constantemente a lutar contra e temos forçado muito entrar no mapa cultural do país e no mapa dos festivais, sendo que, na minha opinião, temos conseguido. Mas é, sem dúvida, mais difícil fazê-lo na praia de Quiaios, sem grandes apoios, a não ser a câmara municipal da Figueira da Foz, a junta de freguesia de Quiaios e a direcção regional de cultura. As pessoas pensam que a norte do Porto também é difícil, como por exemplo no EDP Vilar de Mouros, ou no Paredes de Coura, mas a verdade é que isso também é o litoral dos festivais portugueses, precisamente porque fica a meio caminho, isto é, a cerca de 80km da área metropolitana do Porto e a 80km da área metropolitana de Vigo. Se nós conseguirmos ir devagarinho e nos afirmarmos como um festival de realce na zona centro do país é porque o nosso trabalho está a ser bem feito e, na minha opinião, isso tem acontecido.

 

Estão satisfeitos com o line-up das bandas deste ano?

Fantástico. Estamos mesmo muito satisfeitos. Ainda não é o nosso ideal, precisamente porque não somos megalómanos e não queremos dar passos maiores do que aquilo que conseguimos, isto é, sabemos as nossas limitações, as nossas virtudes e os nossos defeitos. Apesar disso, estamos muito contentes. Trazer os Linda Martini à praia de Quiaios é óptimo, visto que eles são o que são a nível nacional e é bom poder contar com eles. Conseguir trazer os Coven, dos Estados Unidos da América, que para uma geração mais nova pode não significar muito, mas que têm um impacto enorme, é fantástico. Eu acho que as pessoas ainda não se aperceberam bem do que vai acontecer com a vinda dos Coven cá. Eles têm uma história que, se vocês investigarem, vão ver porque é que eu estou a dizer isto. Depois o resto são tudo bandas com uma enorme qualidade, portuguesas e estrangeiras. Os ingleses, Church Of The Cosmic Skull, são lindíssimos e as pessoas vão ficar maravilhadas. As outras bandas, algumas um bocado mais aceleradas, menos aceleradas, mais instrumentais, ou mais melodiosas, mas todas de grande qualidade.

 

Mesmo dentro do rock vocês dão asas à diversidade.

Sem dúvida. Não há ali nada que seja muito parecido umas coisas com as outras e nós gostamos disso assim, apesar de ser um risco. Nós começámos muito pelo stoner, pelo doom e por esse tipo de música, mas houve uma altura em que nos pareceu fazer mais sentido alargar um pouco o leque, ou seja, o WoodRock não é um festival disto ou daquilo. É um festival de rock com uns subgéneros lá instalados.

 

Não trazem só grandes nomes estrangeiros, mas também se focam em bandas portuguesas. Sentem que esse rácio equilibrado e o apoio à música nacional faz parte da vossa identidade?

Faz parte da nossa identidade e temos pena que não haja, por exemplo, mais bandas da Figueira da Foz que possam ser encaixadas no nosso cartaz, todos os anos. Mas a questão é que temos temos que escolher, quase a dedo, apenas 14 bandas. A nível nacional há muito coisa boa, mas também há muita coisa que não encaixa aqui. Já passaram no WoodRock grandes bandas deste circuito mais underground, marginal e alternativo, há 3 ou 4 anos, que depois começaram a ter alguma visibilidade no meio em que se inserem e isso é sempre uma das nossas apostas. Nós não temos medo de arriscar em bandas que saem um bocadinho fora.

 

Do ponto de vista dos artistas que vêm ao WoodRock tocar, pela primeira vez, que tipos de reacções é que costumam receber?

Adoram. Voltamos sempre à situação do espaço, isto é, não só o espaço dos concertos, mas o ambiente do próprio festival que acaba por ser muito absorvente. Nós temos uma capacidade de, enquanto organização, e apesar dos nossos stresses, transmitir um relaxe tão grande aos artistas, que eles pressentem isso. Temos um registo mais intimista, embora nós não queiramos fazer isto para uma família, quer dizer, não há problema nenhum com o crescimento, mas gostamos de dar este toque aos artistas. Por exemplo, no nosso restaurante, as nossa refeições são feitas por nós, pelas nossas mães e pelas nossas tias – tudo comida impecável, feita com produtos da terra. Nós perguntamos aos artistas se não se importam de vir jantar connosco, sendo que é raro eles recusarem. Outro exemplo é o facto de eles não irem de carrinha para o hotel, mas sim a pé, connosco, enquanto conversamos e olhamos para as estrelas. É esse ambiente que o WoodRock proporciona aos artistas.

 

Estavas a falar um bocadinho dos stresses de organizar o WoodRock. Quais são os grandes desafios de organizar um festival ao ar livre?

Não só ao ar livre, mas no sítio que é, visto que não tem grande coisa. Por exemplo, não havia postes de electricidade perto do recinto e, por isso, tivemos que arranjar parcerias que nos permitissem colocá-los lá em edições anteriores. Nós sempre quisemos fazer o festival ainda mais para dentro da natureza do que o temos agora, visto que o recinto principal é no alcatrão de um parque de estacionamento, mas batemos com a dificuldade de serem dunas de areia. Como é que se leva um palco para dentro de uma duna de areia? É chato, apesar de eu achar que o público iria adorar aquilo. Mas um camião não entra para lá e o palco não pode ir às peças, ou seja, a logística acaba por ser muito complicada. Se isto fosse um festival que tivesse preços mais elevados (a nós parece-nos que os preços são um pouco baixos para aquilo que nós oferecemos), ou com grandes apoios, talvez desse para jogarmos doutra forma e contratarmos muito mais gente. Como não temos, temos de fazer das tripas coração para arranjarmos os backstages, entre outras coisas, sendo que isso tudo leva muito tempo.

 

Vocês têm dois palcos. Fala-nos um pouco da diferença entre os dois.

O palco principal é maior, é num parque de estacionamento, tem alcatrão e tem acesso para pessoas com mobilidade reduzida. É muito maior do que o outro palco, que é numa clareira no meio da floresta que nós, aqui há 3 anos, utilizamos para experimentar. Queríamos ver qual era a sensação e o feeling que nos dava a nós irmos ainda mais para dentro da natureza.

 

Como é que isso correu?

Correu óptimo. Aliás, correu tão bem que as pessoas agora dizem-nos que era preferível que fosse lá tudo. Mas voltamos à mesma questão, como é que eu meto lá um palco? Além disso, aquilo fica no meio de arbustos e temos que limpar tudo com motosserras. Apesar de não ser muito grande, se quiséssemos ter um recinto igual, ou parecido, ao palco principal, iria requerer equipas a trabalhar, autorizações dos donos e um monte de coisas que nós não estamos preparados para dar. Por isso mesmo trata-se de um palco mais pequeno, chamado palco do mato, que em termos de condições técnicas de som e luz tem as condições que se podem ter, visto que temos que entrar lá para dentro com uma moto 4 ou com um tractor que passe pelas dunas de areia. Mas é uma coisa mais simples e intimista que funciona muito bem. É tipo um anfiteatro pequenino onde o público se sente maravilhoso.

 

Apesar de já estarmos perto da data, quem decidir fazer uma loucura e vir assim do nada, que opções é que tem para passar a noite, perto do recinto, e quanto custam os bilhete?

O bilhete geral custa 25€ e dá acesso ao parque de campismo de Quiaios, que tem todas as comodidades – duches de água quente, churrasqueiras, entre outras. Os bilhetes pontuais custam 10€ na quinta-feira e 17€ na sexta e sábado, mas não dão acesso ao parque de campismo. Para passar a noite, os bungalows do parque de campismo e os hotéis de Quiaios estão cheios, ou seja, a única opção, nesta altura do campeonato, é a Figueira da Foz. Na Figueira, têm táxis e têm autocarros regulares da Transdev que deixam as pessoas a 500 metros do festival, apesar de só estarem disponíveis nos dias úteis, ou seja, as pessoas podem vir na quinta e na sexta, mas depois só podem voltar na segunda-feira.




Adicionado por

João Ribeiro

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